sábado, 19 de novembro de 2016

Poesia Trovadoresca

                                           Desenho da autoria da aluna Joana Bagagem
Eis o nosso transporte que nos levará numa viagem no tempo até à Idade Média.
Lá, descobriremos a beleza de uma época que nos deixou as fascinantes cantigas d'amigo e de amor, escárnio e maldizer.
Preparados? Embarquemos, pois!


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ORIGEM DA POESIA TROVADORESCA 

Da literatura oral à literatura escrita

Em todas as sociedades a literatura oral é anterior à literatura escrita. A cultura oral, transmitida de geração em geração, comportava todos os conhecimentos que permitiam às pessoas compreender a vida e o mundo à sua volta. Era uma cultura essencialmente pragmática, mas onde havia também espaço para a dimensão lúdica e estética. Faziam parte dela lendas, histórias míticas, narrativas versificadas, cantigas...

É essa literatura oral que está na origem das literaturas europeias, propriamente ditas, que se começaram a constituir nos séculos XI e XII. Aconteceu assim na península ibérica, com a poesia trovadoresca; em França, com a poesia provençal e as canções de gesta, etc.
Que essas literaturas nacionais tenham começado pela poesia é fácil de entender, dada a sua origem oral. De facto, o verso, a rima, o ritmo facilitam a memorização e eram utilizados até nas narrativas.

Poesia trovadoresca

A expressão "poesia trovadoresca" é utilizada para designar as composições em verso produzidas na península ibérica, entre os finais do século XII e meados do século XIV. Trata-se de um conjunto de cerca de 1600 cantigas de carácter profano, a que poderemos acrescentar cerca de 400 poemas de conteúdo religioso.

Esses poemas foram reunidos em cancioneiros diversos, tendo chegado até nós três deles. O mais antigo, provavelmente uma cópia do século XIV, é o chamado Cancioneiro da Ajuda. Conhecem-se outros dois, posteriores e mais completos, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Vaticana, ambos cópias feitas no século XVI, em Itália, a partir de um manuscrito mais antigo.

Apesar de escrita em galaico-português, não se trata de uma poesia estritamente portuguesa e galega, mas sim peninsular, uma vez que os cerca de 150 trovadores e jograis que as produziram eram oriundos de diversas regiões da península. Esses trovadores eram geralmente nobres, enquanto os jograis, que cantavam as cantigas nas feiras, romarias e até palácios, eram de origem popular.

Nesses cancioneiros encontramos cantigas de amigo, em que o sujeito poético é uma donzela que exprime os seus sentimentos amorosos pelo amado (amigo), e cantigas de amor, nas quais o poeta dá expressão ao seu amor por uma dama. Há também cantigas de escárnio e maldizer; de carácter satírico, como o nome indica, distinguindo-se pelo facto de as primeiras não nomearem diretamente a pessoa a que se referem, o que acontece no segundo grupo.

No caso da poesia trovadoresca é visível a presença de duas tradições poéticas que, de certo modo, se fundiram. É evidente que as cantigas de amigo, pela singularidade do sujeito poético feminino, pelo ambiente doméstico e rural que as caracteriza, pela sua estrutura paralelística, manifestam uma origem popular. Já as cantigas de amor reflectem claramente a influência provençal.


CANTIGAS DE AMIGO 

Lirismo feminino


As cantigas de amigo são uma das manifestações da poesia trovadoresca. Têm em comum com as cantigas de amor o facto de a sua temática ser amorosa, mas, enquanto nestas o sujeito poético é o homem, naquelas é a mulher que exprime os seus sentimentos para com o "amigo".


Características das cantigas de amigo

Além do sujeito poético feminino, as cantigas de amigo têm outras características marcantes.

O sujeito poético é, não apenas mulher, mas donzela, isto é, uma rapariga solteira, pertencente aos estratos médios do povo. Essas cantigas documentam bem a importância social da mulher, que era, na época, o garante da estabilidade familiar, dado que os homens tinham que se ausentar frequentemente, envolvidos nas campanhas militares de defesa e ataque que opunham cristãos e mouros.

A donzela aparece-nos inserida num ambiente doméstico e burguês, muitas vezes em diálogo com as amigas e a própria mãe e as cantigas documentam todas as fases e sentimentos do namoro.

A natureza não é um simples cenário em que decorre a acção; apresenta uma espécie de vida própria, que documenta o animismo típico de sociedades mais primitivas. É sempre uma espécie de testemunha viva das alegrias e tristezas da donzela. Por vezes a sua personificação é total, como por exemplo na famosa cantiga “Ai flores, ai flores do verde pino”, onde as flores respondem e tranquilizam a donzela, saudosa e preocupada com a ausência do amigo. Essa natureza é frequentemente representada pela fonte, o rio, a praia, o campo.

A atestar a antiguidade deste tipo de cantigas temos os arcaísmos que os trovadores conservaram, provavelmente porque tomavam do povo anónimo temas e versos inteiros que depois desenvolviam.

Tendo em conta os temas e sobretudo os ambientes retratados é usual distinguir várias variedades nas cantigas de amigo:


  • bailias ou bailadas; 
  • cantigas de romaria; 
  • marinhas ou barcarolas; 
  • albas ou alvoradas,  entre outras.


Finalmente, as cantigas de amigo caracterizam-se pelo recurso em maior ou menor grau ao paralelismo, que consiste na repetição da ideia expressa numa estrofe na estrofe seguinte, formando pares, sendo cada uma delas encerrada por um refrão.

As cantigas paralelísticas perfeitas têm as seguintes características:

Coplas de dois versos (dísticos), seguidos de refrão (um verso);
As coplas organizam-se em pares, de tal modo que a copla par repete integralmente as ideias expressas na copla ímpar anterior – paralelismo semântico (1-2, 3-4, 5-6, ...);

Utilização do leixa-prem — o 2º verso da copla 1 é o 1º verso da copla 3; o 2º verso da copla 2 é o primeiro da copla 4, etc.

Uma cantiga paralelística perfeita obedece ao seguinte esquema:
Copla 1Verso ACopla 3Verso B
Verso BVerso C
RefrãoRefrão
 1º par 2º par
Copla 2  Verso A'Copla 4  Verso B'
Verso B'Verso C'
RefrãoRefrão













Cantigas de Amor de  influência provençal.

Na Idade Média, o termo "Provença" designava a região do sul da França com frente para o Mediterrâneo. O clima ameno, a equilibrada distribuição da propriedade, o comércio florescente, propiciaram o aparecimento nessa região de uma sociedade próspera, favorável a uma cultura do prazer. Foi aí que os membros da aristocracia encontraram condições para exprimirem através da poesia e da música sentimentos requintados. A poesia perde aqui o carácter didáctico que a Igreja lhe havia atribuído e passa a ser utilizada como forma de alcançar o prazer estético, de exprimir sentimentos mais humanos que divinos.

A moda da poesia provençal espalhou-se pela Europa e chegou inclusive ao extremo da Península Ibérica. É que, nessas épocas remotas (séculos XI e XII) o isolamento não era absoluto. Havia já, entre as várias regiões, contactos bastante intensos, historicamente documentados, que faziam com que as novidades circulassem e se fizessem sentir a grande distância.

Vale a pena lembrar que a monarquia portuguesa tem a sua origem num fidalgo de além Pirinéus, D. Henrique de Borgonha, pai do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques; frequentemente a casa real portuguesa procurava noivas em Aragão, região oriental da Península Ibérica, vizinha da Provença; Santiago de Compostela constituía na época um dos principais centros de peregrinação, atraindo gentes de toda a Europa; a ordem religiosa de Cister, originária da França, implantou-se também em Portugal, onde fundou vários conventos, entre eles o de Alcobaça.

Sob influência da poesia provençal, alguns nobres da península começaram também a compor cantigas de amor e cantigas satíricas (escárnio e maldizer).


O amor cortês

Vimos já algumas das circunstâncias que favoreceram o aparecimento da poesia provençal, nos finais do século XI. Vejamos agora como surgiu e quais as características do amor cortês, típico desse lirismo.

A prosperidade económica permitiu o aparecimento na Provença de pequenas cortes. Nesse ambiente requintado, os cavaleiros conviviam com as damas, suavizavam as suas maneiras rudes e entregavam-se aos prazeres da música, da dança, da poesia.

O amor é o tema predominante dos seus poemas. Neles um trovador nobre exprime o seu amor por uma dama, quase sempre casada, pertencente a um estrato superior da nobreza. Trata-se de um amor idealizado, de inspiração platónica, sentimento puro, em que o impulso sexual é sublimado, porque o seu objecto é inacessível. Daí o sofrimento (a “coita” de amor), mas também o prazer de amar na esperança de uma improvável compensação.

A exibição desse amor adúltero compreende-se, porque o casamento, na época, e sobretudo entre os nobres, era um mero “negócio”, com o qual se procurava manter ou aumentar o poder e o prestígio de uma família. No havia aí espaço para o sentimento. Na conceção dos trovadores o amor só era possível fora do casamento.

Foi também nesta época que a figura de Nossa Senhora começou a assumir um papel de relevo na religião cristã e isso contribuiu para elevar o prestígio da mulher na sociedade medieval.

Além disso, os trovadores transferem para o campo amoroso as relações típicas do feudalismo. O poeta assume-se como vassalo e reconhece a sua dama como “senhor”. Deve-lhe lealdade e obriga-se a prestar-lhe serviço.

Esse “serviço amoroso”, que o trovador deve à sua dama, rege-se por normas estritas:


  • O amor pela dama devia ser expresso de forma comedida (“mesura”), de forma a não incorrer no seu desagrado (“sanha”);


  • A identidade da dona deveria ser escondida, referindo-se a ela, quando necessário, através de um pseudónimo (“senha”);

A vassalagem amorosa decorria em quatro fases:

  • “fenhedor” – o trovador limita-se a exprimir o seu sofrimento;
  •  “precador” – ousa dirigir pedidos à dama; 
  • “entendedor” – o sentimento do trovador é correspondido;
  •  “drut” – o poeta transforma-se em amante.

Nem todos os traços característicos do trovar provençal foram incorporados nas cantigas de amor peninsulares, nomeadamente no que diz respeito às regras do amor cortês. Por exemplo, a fase de “drut” (amante) jamais aparece nas nossas cantigas de amor.

No amor cortês faz-se a corte, perito que é em jogos de sedução, de gestos encobertos, sinais e olhares que são identificados somente pelas partes interessadas, mas sem comprometer a "senhor", sob pena de ela se enfurecer por ver a sua honra manchada e de se zangar com o pobre poeta. Este, por sua vez, deve ser-lhe fiel e combater por ela, defendê-la mesmo, na expetativa de um dia receber a recompensa que, sabe, lhe está vedada logo à partida.

 Esta situação, que impede a concretização deste amor - e entenda-se por concretização, a união dos seres - provoca sofrimento - coita (de amor) - no poeta que, nem assim, desiste de amar - amor platónico. Ele aspira  apenas ao amor da mulher pois reconhece que ele lhe está vedado ainda que seja essa persistência que sublima o sentimento mantido. Na verdade, ama-se o Amor mais do que a mulher e é deste modo que ele pode também ser alimentado.


Embora se tenham inspirado no lirismo provençal, as cantigas de amor da Península possuem características bem diferentes. As nossas são mais espontâneas, mais sentidas, mais autênticas, têm muito a ver com a nossa alma romântica, saudosa, um pouco até masoquista, em que se sente um prazer mórbido em sofrer, um gosto em estar triste. Como confirma Rodrigues Lapa: “A nossa imitação foi sobretudo uma apropriação de formas.”

Características e Estética das Cantigas de Amor

- A idolatração da mulher amada, em que o trovador se mostra submisso perante ela;

- O sujeito enunciador sente que não é senhor do seu coração; ela enganou-o, fê-lo apaixonar-se por ela;

- Os olhos da dama surgem nestas cantigas como uma das causas da paixão;

- O amor espiritual pode conduzir a um aperfeiçoamento através do desejo do objeto amado. A mulher é a ponte para o infinito, realiza-se nela e por ela esquecendo-se de si próprio, para pensar só no “ben”;

- Os trovadores valorizavam mais as qualidades morais da mulher;

- Por vezes, o poeta sofre muito. Não é fácil atingir a perfeição absoluta; chega mesmo a sentir ânsia de se vingar daquela que o tortura mas tudo não passa de um desejo;

- Deus está sempre presente nestas composições, quase como um confidente: com ele desabafa e pede-lhe conselhos.































SÍNTESE